Especialistas em varejo afirmam que o comércio convencional, que se baseia na interação entre comerciantes e consumidores, continuará a ter um espaço relevante. No entanto, em áreas mais valorizadas, é necessário passar por transformações.
Na era da digitalização, pesquisas revelam que os consumidores estão cada vez mais exigentes, buscando produtos de qualidade, ambientes agradáveis, atendimento personalizado e experiências significativas.
Diante desse cenário, o modelo tradicional de comércio corre o risco de perder relevância com o avanço do comércio eletrônico e dos novos hábitos de consumo. Qual é, então, o papel atual das lojas físicas?
Arquitetos e especialistas em varejo argumentam que as lojas físicas devem continuar existindo enquanto houver seres humanos habitando a Terra. No entanto, eles reconhecem que é necessário se adaptar para prosperar.
“A loja física não deve se limitar apenas à venda de produtos, mas também oferecer experiências, serviços e assistência técnica”, afirma Maurício Morgado, responsável pelo Centro de Excelência em Varejo da FGV (FGVcev).
“O comércio físico precisa manter sua relevância, o que significa fazer bem o que o comércio eletrônico não faz tão bem”, afirma Manoel Alves Lima, arquiteto e sócio da Fal Design.
“Parcerias em modelos de ecossistemas, visando complementar o mix de produtos e serviços para os consumidores, podem salvar o varejo tradicional”, destaca o arquiteto Júlio Takano.
Segundo Takano, um parceiro pode ser mais vantajoso do que um sócio, pois o parceiro contribui para o lucro do negócio, enquanto um sócio exige a divisão do lucro.
Atualmente, cerca de 85% dos consumidores brasileiros ainda fazem compras em lojas físicas, e os especialistas acreditam que levará décadas para que esse percentual diminua significativamente.
No entanto, diante da existência de várias opções de lojas que vendem os mesmos produtos, os comerciantes precisam se esforçar para que os clientes escolham sua loja em vez da concorrência.
EXPERIÊNCIA
A rede norte-americana Williams-Sonoma, fundada em 1956 e especializada em utensílios domésticos, oferece cursos de culinária em suas mais de 620 lojas. Uma cozinha montada no meio da loja atrai pessoas interessadas em gastronomia, que acabam comprando equipamentos ali mesmo para auxiliar na preparação de suas refeições.
“A loja deve se transformar em centros de serviços, experiências, relacionamento e também criar conteúdo, como transmissões ao vivo, para compras online”, destaca Morgado.
Alves ressalta que o varejo físico é fundamental para que as marcas mostrem seu posicionamento, diferenciais competitivos e atributos, permitindo que os clientes escolham seus produtos.
A Apple é um exemplo claro da importância do varejo físico, pois oferece produtos que são objeto de desejo dos consumidores em todo o mundo. Mesmo sendo uma empresa que poderia dispensar o varejo físico, ela continua investindo cada vez mais em suas lojas.
De acordo com Alves, quando um consumidor se acostuma com a qualidade de um produto, como um chocolate ou uma cerveja, é difícil voltar atrás. Isso significa que quando os clientes têm uma experiência positiva em uma loja, eles passam a exigir o mesmo nível de atratividade de outros estabelecimentos.
“O varejista precisa se adequar aos desejos do consumidor, que busca atenção, satisfação, conforto, coisas que um computador não pode oferecer”, complementa Alves.
ECOSSISTEMA
Takano destaca que é muito conveniente chegar em casa e poder pedir uma refeição pelo celular, que é entregue rapidamente, bem embalada e saborosa. No entanto, isso não significa que os consumidores deixarão de visitar lojas físicas para adquirir a mesma refeição. O tato, a visão e o olfato são atributos que o comércio eletrônico não pode oferecer.
Segundo ele, uma loja de utilidades domésticas, como a Williams-Sonoma, que cria um ecossistema com a inclusão de serviços e outras marcas, tem muito mais chances de obter sucesso.
Takano acredita que os varejistas experientes e especializados devem aprender com o novo varejo, atuando como conectores e agregadores de negócios, capazes de atrair parceiros de outros setores para seu ecossistema.
‘FIGITAL’
De acordo com Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, não faz mais sentido separar o varejo físico do varejo online. Atualmente, o varejo é “figital”, uma união do físico com o digital.
Há cerca de 20 anos, as lojas físicas eram protagonistas. Com o avanço do comércio eletrônico, cogitava-se o fim das lojas físicas. No entanto, hoje os consumidores veem tudo como uma coisa só.
O cliente pode ver um produto no site, ir à loja para entendê-lo melhor, voltar para pesquisar preços e, em seguida, comprar online para retirar na loja ou pagar na loja e levar o produto consigo.
Marinho afirma que as lojas físicas podem ser transformadas em centros de distribuição avançados e ambientes para conhecer melhor os clientes e suas necessidades.
Ele menciona um exemplo em que um produto custa R$ 100 se enviado de um centro de distribuição, R$ 40 se enviado de uma loja física próxima ao cliente e apenas R$ 13 se o cliente buscar o produto na loja. Essa integração entre os canais é valiosa.
Segundo Marinho, cerca de 63% dos downloads do aplicativo de uma grande rede de farmácias são feitos nas lojas físicas. Ele ressalta que os varejistas que não exploram todo o potencial de suas lojas físicas estão perdendo dinheiro.
FÔLEGO
Marcos Hirai, fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas), acredita que as transformações no varejo estão mais focadas nas lojas que atendem as classes mais altas.
No Brasil, existem duas situações distintas. Enquanto o varejo em áreas mais populares e em cidades do interior continua vibrante e com potencial de longevidade no modelo tradicional, nas áreas mais nobres e comerciais, é preciso considerar transformações.
Hirai destaca a importância de distinguir esses cenários. Nas periferias e áreas menos privilegiadas, as lojas tradicionais estão prosperando e desempenham um papel vital para muitas pessoas, movimentando considerável quantidade de dinheiro.
No entanto, para os varejistas que atendem um público que já está habituado a compras online, é necessário rever o modelo de loja física e estar atento à omnicanalidade.
Segundo Hirai, investir em grandes lojas nessas áreas mais nobres já não é mais tão justificado. Ferramentas digitais, como a opção de “clique e retire”, além da capacidade de compreender detalhadamente o perfil dos clientes, são mais determinantes.
Ele também ressalta que o varejo brasileiro enfrenta escassez de mão de obra e, portanto, precisa automatizar processos de atendimento e vendas.
No entanto, é importante lembrar que a população empobreceu, e o formato convencional de loja física ainda atrai uma grande parcela de consumidores. “Se o lojista mudar, pode perder clientes”, adverte Hirai.
Fonte: Diário do Comércio – https://dcomercio.com.br/