J K: A Ascensão da “Bruxaria” no Mundo do Funk
No cenário musical contemporâneo, um novo nome emerge das entranhas da criatividade: DJ K, um produtor de funk que tem surpreendido com sua singular abordagem. Seu mais recente álbum, intitulado “Pânico no Submundo”, produzido inteiramente em seu modesto quarto, alcançou a nota 7.9 em avaliação do renomado site Pitchfork. Comparativamente, isso supera a nota do icônico álbum “Yellow Submarine” dos Beatles, que obteve 6.2 da mesma publicação.
Com sua inusitada sonoridade, DJ K conquistou um convite para uma turnê na Europa, marcada para outubro. Destinos como França, Inglaterra e Bélgica estão no roteiro, e existe a perspectiva de mais datas serem adicionadas à agenda.
“Eu sequer conhecia a revista. Acordei inundado de menções nas redes sociais e não fazia ideia do que estava acontecendo. Depois, fui atrás da notícia. O nome é Pitchfork? Eu pensava que era Pitchforte, a confusão era total”, compartilha o DJ em entrevista ao g1. “Comecei a explorar as referências, entrei no Twitter e me deparei com comparações entre mim, Taylor Swift e os Beatles, que obtiveram notas inferiores à minha. É inexprimível a sensação de ser comparado e alcançar uma nota superior.”
“Pânico no Submundo” é composto por 15 faixas, todas concebidas em um curtíssimo período de 3 dias. Notavelmente, o álbum tomou forma no modesto recinto de Kaique, com o auxílio do software FL Studio, cuja maestria ele aprendeu por conta própria. O DJ K também lançou sua própria produtora, a Bruxaria Sound, contando com a colaboração de diversos MCs que agora integram seu catálogo.
O epíteto “Bruxo” foi conferido a Kaique como um dos expoentes do estilo “bruxaria”, um subgênero do funk mandelão conhecido por sua força, repetições enérgicas, letras incisivas e batidas vibrantes. “No ‘Pânico’, alguns MCs vinham até minha casa para gravar; quando isso não era viável, eles enviavam suas contribuições por mensagens e eu as harmonizava com a batida”, contextualiza o DJ.
Deslocando-se até o lar de Kaique em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, a equipe do g1 foi recebida para uma entrevista reveladora. Durante o bate-papo, ele aceitou o desafio de criar uma música em poucos minutos. Enquanto dialogava, Kaique selecionava amostras sonoras a serem empregadas, inserindo a marcante vinheta “DJ K, não tá mais produzindo, tá fazendo bruxaria”. Com a ajuda de dois amigos MCs, a mágica sonora se materializou em 22 minutos, como registrado em um vídeo disponível.
Apesar de sua origem em um ambiente religioso, sendo filho de um pastor evangélico, Kaique encontrou apoio incondicional dos pais para seguir sua carreira no mundo do funk. Abandonando incursões profissionais anteriores, ele revela: “Tentei escapar, fui mecânico, fiz trabalhos como eletricista, muitas tentativas, mas nenhum emprego durava mais de 2 meses. Sempre voltava para a música.”
Nascido em Diadema, a música sempre esteve presente na vida de Kaique, que é um entusiasta do rock. A influência de sua família, com o pai tocando bateria e o tio liderando uma banda de reggae, o imbuíram de um amor pela música desde tenra idade. “Meu tio me levava a todos os lugares, para vê-lo tocar, e eu frequentava seu estúdio, fascinando-me com o processo criativo. Sempre almejei trabalhar com música, e foi através do funk que encontrei visibilidade. Apesar disso, comecei com reggae e rock, algo que inflamou meu interesse pela profissão.”
As barreiras inerentes a bandas e instrumentos desviaram Kaique do reggae e do rock, fazendo do funk sua escolha natural. Comentando sobre sua iniciação na produção musical, ele observa: “No funk, só precisava de um computador. Portanto, esse era o recurso ao meu dispor: um computador e um fone de ouvido com apenas um lado funcionando. Minha jornada começou na produção; não tinha a menor intenção ou concepção de me tornar um DJ em bailes, mas no funk, você acaba se tornando DJ de qualquer forma.” Até o momento, ele contabiliza a produção de pelo menos 200 músicas.
A relação de Kaique com sua família é um tanto peculiar. Ele revela: “Meu pai finge que não escuta minhas músicas, mas minha mãe me envia vídeos dele ouvindo no carro. No entanto, eu compreendo que eles não apreciem muito. A natureza agressiva do som, inclusive, me impede de escutar minhas próprias produções. Acabo desfrutando mais de rap, rock e funk consciente, que oferecem uma atmosfera mais suave.”
A abordagem inusitada de DJ K rendeu à sua música o rótulo de “horrorcore” pela Pitchfork, um subgênero do hip hop que emergiu no final dos anos 80. Caracterizado por letras mais sombrias e amostras de trilhas sonoras de filmes de terror, o horrorcore encontra em DJ K uma vertente singular e distinta no mundo do funk. A busca por criar batidas mais obscuras deu origem à tão mencionada “bruxaria”.
O álbum “Pânico no Submundo” assume a missão de retratar a obscuridade das favelas e o pânico palpável que permeia essas localidades. DJ K mergulha no submundo sombrio exacerbado durante a pandemia, onde bailes clandestinos proliferavam nas comunidades, trazendo essa atmosfera para o cerne de seu álbum.
A inspiração em filmes de terror e suspense se manifesta vividamente nas músicas de Kaique. Com títulos como “Sequência Terrorista do Heliópolis” e “Erva Venenosa”, ele faz referências à franquia “Halloween” e à trilogia “Noite de Crime”, respectivamente. A combinação de sons sinistros, risadas sombrias e efeitos ensurdecedores contribui para sua identidade musical marcante. O uso estratégico de momentos silenciosos serve para acentuar o impacto dos elementos sonoros subsequentes. Não se pode esquecer do característico “tuin”, um som agudo que se popularizou nos funks do estilo mandelão.
Embora o instrumental de DJ K seja enraizado no suspense e no horror, as letras de suas músicas seguem a tradição do funk proibidão. Kaique adota uma abordagem de não interferência nas composições, delegando aos MCs parceiros a responsabilidade pelos versos.
A análise da Pitchfork, por sua vez, focaliza mais na sonoridade do que nas letras: “Se o mundo estivesse à beira do fim e o Armagedom fosse iminente, o produtor paulista provavelmente gravaria os sinais de ataque aéreo antes de se enclausurar em um abrigo e delirar por toda eternidade.”
No que tange a sua projeção internacional, DJ K será acompanhado por GG Albuquerque, um pesquisador e jornalista pernambucano, em sua turnê europeia. GG convenceu o jovem talento a lançar o álbum “Pânico no Submundo” e é o responsável pela produção da turnê.
De acordo com ele, DJ K ainda não recebeu convites para se apresentar no Brasil e continua sendo considerado um “artista de pequeno porte”. GG comenta: “Ele é um indivíduo que deveria estar ocupando palcos de festivais, clubes em São Paulo, mas sua agenda ainda precisa ser preenchida.” O produtor também destaca o paradoxo em que a economia musical se encontra, onde artistas como Anitta ganham destaque, enquanto inovações emergentes nas periferias são, muitas vezes, assimiladas pela música pop sem o devido reconhecimento.
Kaique, atualmente, encontra sua principal fonte de renda em plataformas de streaming como o Spotify. Ele revela que o TikTok é uma fonte significativa de lucro, e a vindoura turnê na Europa promete acrescentar consideravelmente ao seu sucesso financeiro.
Diante do convite para a Europa, Kaique reflete: “Quando me disseram para ir para lá, quase recusei, mas quando soube dos valores envolvidos, a favela venceu, né… Nunca saí de São Paulo, exceto por uma viagem de carro a Minas Gerais. Fiquei em choque quando me procuraram para fazer shows na Europa. Já tirei meu passaporte, e teremos um tradutor junto para me auxiliar. No entanto, ainda estou em choque com a ideia; tocar para uma multidão que não compartilha minha língua é uma experiência singular.”